Recuperação Judicial: negociação coletiva e a impossibilidade de pagamento antecipado

Bem-vindos novamente a este espaço informativo que tem, essencialmente, a finalidade de facilitar a compreensão sobre assuntos jurídicos que, à primeira vista, parecem “complexos”, mas que, por meio de abordagem voltada mais prática, são explorados e explicados de forma descomplicada.

A título de exemplo, cite-se que aqui já foi abordada a separação de fato em um casamento e os seus efeitos jurídicos e, ainda, a lista de procedimentos de cobertura obrigatória pelos planos de saúde e, também, com maior freqüência neste lugar, assuntos específicos relacionados à Recuperação Judicial, tema que tem cada vez mais despertado interesse, em especial após o, já emblemático, caso da Recuperação Judicial das Lojas Americanas no início deste ano de 2023 e os seus desdobramentos.

Nessa rota, destaque-se que este artigo também será sobre Recuperação Judicial, especificamente sobre a impossibilidade do pagamento antecipado em benefício de um determinado credor específico em detrimento dos outros credores.

Pois bem.

Aludida impossibilidade decorre da própria natureza da Recuperação Judicial que é, em síntese, uma negociação coletiva das dívidas em aberto de determinada empresa com uma coletividade de credores, realizada sob a proteção do Poder Judiciário, que atua como mediador desse singular processo de negociação.

Convém esclarecer que, ao apresentar a petição inicial perante o Poder Judiciário, desde que preenchidos os requisitos legais, a empresa recuperanda tem deferido o processamento da Recuperação Judicial com a concessão do benefício do stay period, prazo em que as dívidas ficam, temporariamente, suspensas por cento e oitenta dias.

Ao mesmo tempo da concessão desse benefício, cria-se também a obrigação da empresa recuperanda de apresentar proposta de pagamento de todos os credores (denominado de plano de recuperação judicial) no prazo de sessenta dias, sendo que essa proposta, que usualmente envolve descontos e alongamento dos prazos de pagamento, poderá ser ou não aprovada, o que acontece, normalmente, por meio da convocação da Assembleia Geral de Credores em que os credores, ao se reunirem, votam de forma democrática na melhor solução financeira para a recuperanda.

Assim, nota-se que na Recuperação Judicial é buscada a proteção dos interesses dos credores enquanto coletividade, não apenas a melhoria da condição patrimonial de determinado credor específico em detrimento de outros, sendo que o pagamento dos credores da empresa recuperanda deverá acontecer, obrigatoriamente, nos termos do plano de recuperação judicial aprovado, com o tratamento isonômico e igualitário de todos os credores, conforme princípio par condictio creditorum (“princípio da igualdade de tratamento dos credores”) que é aplicável na Recuperação Judicial.

Em que pese esse regramento específico da lei recuperacional, alguns credores, após o deferimento do processamento da recuperação judicial, iniciam uma busca desenfreada da satisfação imediata de crédito, mesmo durante o supramencionado stay period, sendo realizada sucessivas intimidações para que a empresa concorde com o indevido adimplemento antecipado.

Os argumentos tortuosos desses credores para justificar esse ímpeto são os mais variados possíveis, seja porque se trata de verba trabalhista que, em tese, deve ser paga em tantos dias de acordo com a norma trabalhista ou seja porque no contrato, assinado anteriormente entre credor e recuperanda, estava prevista determinada data de vencimento.

Todavia, esses argumentos não merecem acolhimento, uma vez que o regramento da lei recuperacional se sobrepõe e impede o pagamento antecipado de determinado credor em detrimento dos outros credores.

Ademais, mencionada conduta indevida desses credores, ao buscarem o indevido pagamento antecipado junto à empresa recuperanda por meio de ameaças jurídicas diversas, é considerada de tamanha gravidade que a legislação nacional considera que o pagamento antecipado de determinado credor da Recuperação Judicial configura, em tese, a prática de crime de favorecimento de credores, previsto no artigo 172 da Lei nº 11.101/2005 (Lei de Recuperação Judicial), infração penal que tem previsão de pena de reclusão, de 2 a 5 anos, mais multa.

Portanto, resta evidente a impossibilidade do pagamento antecipado em benefício de um determinado credor em detrimento dos outros credores, uma vez que o pagamento das dívidas da Recuperação Judicial deverá acontecer, obrigatoriamente, nos termos do plano de recuperação judicial aprovado, proposta de pagamento decorrente do singular processo de negociação que é efetivamente a Recuperação Judicial.

Artigo elaborado por Murilo Assis de Carvalho